Admirável Indústria Cultural – “quando nascemos fomos programados”.

Admirável Indústria Cultural – “quando nascemos fomos programados”.

Olho para o chão e a terra não vejo, o concreto espanta até as baratas, e em meio à cidade, árvores antropomorfizadas. Nossa cultura é uma fábrica administrada por uma “mão invisível”.

Somos nós a fazer a cultura na ordem da indústria que nos fabrica – no aço.

Se no passado o cinema, o rádio e as revistas eram compreendidos como um sistema de controle e coerção social, engendrado pelo monopólio da indústria cultural, essa indústria massificava não apenas a produção de “arte”, mas também moldava seus espectadores. O objetivo não era proporcionar um exercício intelectual, mas criar consumidores padronizados, conforme discutido por Adorno e Horkheimer em Dialética do Esclarecimento. A arte se tornava mercadoria, e o espectador era conduzido a um estado de alienação passiva.

Através desses meios de comunicação massivos, formava-se uma legião de sujeitos acríticos, adaptados à lógica capitalista. Nesse contexto, a massificação não se limitava ao conteúdo, mas moldava espectadores vazios, consumidores e não pensadores – jamais pensadores. Dessa forma, a dominação cultural se consolidava, tornando-os passivos e suprimindo qualquer reação contrária. Diante do mercado, os espectadores eram estáticos, consumidores homogêneos, formatados para o sistema, com anseios uniformizados.

Assim, a sociedade se tornava alienada e dogmatizada, programada para produzir e consumir sem questionamento. A indústria cultural tentava uniformizar o ser humano, padronizando-o estética e cognitivamente. Impunhava diariamente padrões de beleza, política, moral, família, sexualidade, felicidade, tristeza, certo e errado. Dessa maneira, criava-se um ser humano genérico, incapaz de questionar, que consumia o produto industrial sem hesitar – e, pior ainda, gostava disso. Nessa admirável fábrica, éramos programados, condicionados a ‘subviver’ artificialmente e aceitar que outro mundo não é possível, como profetizado por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo.

Entretanto, não era hegemônica, e muito menos absoluta.

Contudo, essa disputa pelo consciente coletivo encontrou uma nova arena nas redes sociais, e, com isso, surgiram novas formas de controle. A era da informação evoluiu, e, agora, os algoritmos ditam as regras do jogo. As narrativas são moldadas por códigos invisíveis, projetados para maximizar engajamento, orientar opiniões e até influenciar emoções. A indústria cultural, antes centralizada em poucos meios de comunicação, se ramificou, mas não perdeu seu poder. Agora, os algoritmos atuam como curadores, selecionando o que consumimos e, por vezes, reforçando bolhas de pensamento e padrões de comportamento.

A plataforma de disputa define o tipo de forma e conteúdo, privilegiando quase sempre o raso e raramente o profundo. A superficialidade domina, onde a rapidez da informação e a necessidade de engajamento imediato moldam as narrativas. Essa dinâmica favorece conteúdos que geram reações rápidas, muitas vezes emocionais, mas quase nunca oferecem espaço para a reflexão crítica ou para a profundidade do pensamento. Assim, a estrutura das plataformas digitais reforça a lógica de consumo imediato e impede o desenvolvimento de discussões mais densas e transformadoras.

A promessa de liberdade de expressão e diversidade de ideias nas redes muitas vezes se revela uma ilusão. Embora cada indivíduo tenha a possibilidade de criar e compartilhar conteúdo, as grandes plataformas direcionam os fluxos de informação de maneira imperceptível, criando uma nova forma de massificação. Somos atraídos para conteúdos que confirmam nossas crenças, promovendo uma padronização não menos perigosa do que aquela imposta pela velha indústria cultural. Assim, a dominação se reconfigura, com algoritmos ditando o que deve ser visto, lido e discutido, perpetuando a lógica de produção e consumo e inibindo o questionamento crítico.

Se antes éramos condicionados pelos meios tradicionais, hoje somos levados por feeds cuidadosamente construídos para nos manter cativos. A subversão continua possível, mas demanda uma nova consciência crítica, não apenas sobre o conteúdo, mas sobre os mecanismos invisíveis que moldam o que vemos e pensamos.

Ludovico Silva, em sua análise sobre a mais-valia ideológica, argumenta que, além da exploração econômica, há uma exploração ideológica que aliena ainda mais o trabalhador. O capitalismo não apenas retira a força de trabalho, mas também controla o imaginário e as ideias dos indivíduos, alienando-os de sua própria realidade crítica. Esse conceito aplica-se diretamente ao contexto atual, onde as redes sociais e os algoritmos ampliam esse processo, capturando tanto o tempo quanto a atenção das massas, transformando ideias em mercadorias e reforçando a hegemonia do pensamento dominante.

Referências:

Legião Urbana. (1986). Quando nascemos fomos programados. In Dois [Álbum]. EMI.

Horkheimer, M., & Adorno, T. W. (1985). Dialética do esclarecimento (G. Lessa, Trad.). Zahar. (Obra original publicada em 1947)

Huxley, A. (2014). Admirável mundo novo (L. B. Pinheiro de Lemos, Trad.). Biblioteca Azul. (Obra original publicada em 1932)

Silva, L. (2017). A mais-valia ideológica. Ed. Insular – Coleção Pátria Grande.