Perdas Internacionais: Neymar e o futebol brasileiro

Perdas Internacionais: Neymar e o futebol brasileiro

O Brasil cometeu um erro estratégico grave ao longo das últimas décadas: exportamos nossos jogadores em vez de profissionalizar nosso futebol. Seguimos um modelo predatório, onde nossos maiores talentos são vendidos cada vez mais cedo, enfraquecendo o futebol nacional e transformando nossos clubes em meros fornecedores de matéria-prima para as grandes ligas estrangeiras.

Este fenômeno não é apenas econômico, mas também cultural. O Brasil, que sempre foi referência mundial no futebol, perdeu parte de sua identidade esportiva. A venda de jogadores não é um problema em si – afinal, atletas de todo o mundo buscam oportunidades em mercados mais ricos. O problema está no fato de que nunca nos preocupamos em estruturar nossa própria liga para ser forte, atrativa e sustentável. Em vez de exportarmos um espetáculo, como fazem os europeus com suas transmissões milionárias, exportamos apenas os artistas. E sem artistas, não há espetáculo.

Brizola alertava sobre os erros cometidos na economia brasileira ao exportarmos commodities em vez de produtos industrializados. O mesmo erro se repete no futebol. Em vez de exportarmos um campeonato competitivo, como fazem os ingleses, vendemos nossos craques ainda na adolescência. A Premier League, por exemplo, gerou uma receita de 6,1 bilhões de euros na temporada 2022/2023, enquanto o Campeonato Brasileiro arrecadou pouco mais de 1 bilhão de euros no mesmo período. A disparidade é clara: enquanto os clubes ingleses investem, lucram e fortalecem sua liga, o Brasil continua preso à lógica colonial de fornecer matéria-prima para os outros enriquecerem.

As cinco principais ligas europeias (Premier League, Bundesliga, La Liga, Serie A e Ligue 1) movimentaram juntas 19,5 bilhões de euros em 2022/2023, representando 56% do faturamento total do futebol europeu, que atingiu 35,3 bilhões de euros. Enquanto isso, o futebol brasileiro continua subvalorizado, sem contratos de transmissão globalmente competitivos e sem um modelo de negócios que permita seu crescimento sustentável.

A volta de Neymar ao Santos ilustra essa realidade. Em qualquer país do mundo, a notícia do retorno de um ídolo ao clube de origem seria motivo de festa nacional. Se Messi voltasse ao Newell’s Old Boys, toda a Argentina celebraria. Se Cristiano Ronaldo jogasse novamente em Portugal, os portugueses o receberiam como um herói. No Brasil, porém, a notícia foi recebida com desdém por parte da mídia e por parte dos brasileiros. Neymar, maior artilheiro da história da Seleção Brasileira, em vez de ser exaltado como ícone do nosso futebol, é tratado por muitos como persona non grata.

Que Neymar é um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, ninguém ousa contestar – e, caso o faça, precisará recorrer a argumentos bastante rebuscados para ignorar o fato de o santista ter 79 gols pela amarelinha, superando Pelé, com 77, e Ronaldo Fenômeno, com 62. Ainda assim, pelo menos no campo progressista, basta mencionar o nome de Neymar para que os ódios venham à tona. O Menino da Vila é tratado quase como um inimigo do Brasil, rotulado como incompetente, adúltero e eleitor de Bolsonaro – essas, curiosamente, parecem ser suas principais credenciais.

Aparentemente, segundo essa lógica, todos os outros ídolos brasileiros foram eleitores de Lula e fiéis em seus relacionamentos (ironia).

E quando se trata de idolatria no esporte, não são apenas os números que importam, mas também a capacidade do ídolo em influenciar positivamente seus seguidores. No caso de Neymar – assim como Ronaldo, Ronaldinho, Romário, Pelé, Rivaldo, entre outros –, todos desempenharam um papel semelhante para o Brasil que vai além da conquista de títulos: eles representam a autoestima do povo e a construção de sua identidade.

Essa rejeição não é apenas sobre Neymar, mas sobre o próprio Brasil. Aprendemos a admirar os ídolos estrangeiros e a desprezar os nossos. A construção dessa mentalidade tem raízes profundas e atende a interesses muito claros. O imperialismo cultural nos ensina diariamente que o que vem de fora é melhor e que nossos talentos devem buscar sucesso longe daqui. Quando um jogador brasileiro veste a camisa de um grande clube europeu, ele é visto como alguém que “venceu na vida”. Quando retorna, parece que falhou.

O futebol brasileiro precisa de uma mudança de paradigma. Em vez de continuarmos exportando nossos melhores jogadores, precisamos aprender a exportar um produto completo: um campeonato bem estruturado, com clubes fortes e transmissões globais. O modelo europeu já mostrou que o caminho é valorizar a liga nacional, transformar o futebol em um espetáculo rentável e fazer do esporte um ativo cultural e econômico. Se a Premier League sozinha fatura seis vezes mais que o Brasileirão, não há justificativa para continuarmos aceitando esse modelo arcaico.

Se quisermos resgatar a grandeza do nosso futebol, não basta formar bons jogadores. É preciso que esses jogadores permaneçam aqui, que os clubes tenham estrutura para mantê-los e que o futebol brasileiro volte a ser o protagonista da sua própria história. Enquanto não industrializarmos nosso futebol e continuarmos apenas exportando talentos brutos, seguiremos condenados à mediocridade.

Que o Brasil volte a ser o país do futebol, não só pelo talento dos nossos jogadores, mas pela força da nossa própria liga. O futebol brasileiro precisa ser tratado como o bem cultural e econômico que é – e não apenas como um celeiro de craques para enriquecer os outros.

Texto escrito em colaboração por Luis Otávio Feltrin e Franciel Toppan.