BRASIL-EUA: NENHUMA RELAÇÃO ABUSIVA DEVE SER RESTAURADA

BRASIL-EUA: NENHUMA RELAÇÃO ABUSIVA DEVE SER RESTAURADA

A notícia do dia, pelo menos na bolha de esquerda, é a conversa telefônica entre Lula e Trump. Nas redes oficiais do Planalto constam várias matérias sobre o conteúdo da conversa. Inclusive, no “@lulaOficial”, há um relato assinado pelo nosso presidente, no qual ele afirma: “Considero nosso contato direto como uma oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente.”

Admito que os anos de militância vividos têm me tornado mais intolerante, mas essa frase me caiu muito mal. Em primeiro lugar, chamar os EUA de uma das duas maiores democracias da América, ainda mais com esse governo, é muito mais do que desnecessário: é mentiroso. Os EUA, especialmente sob Trump, estão cada vez mais se afastando, a passos largos, de qualquer conceito honesto de democracia. Aliás, a ideia de que os EUA são “a maior democracia do mundo” deveria ser excluída do vocabulário do Itamaraty e da boca de qualquer político que se pretenda, ainda que timidamente, anti-imperialista.

Em segundo lugar, que “relações amigáveis” são essas de 201 anos que queremos “restaurar”? Eu não acho que devamos restaurar as relações de subserviência econômica e política que marcaram esses 201 anos. O papel determinante dos EUA no golpe militar de 1964 é comprovado por documentos oficiais deles. Mesmo nos governos de Lula e Dilma, que tentaram exigir respeito à nossa soberania, fomos constantemente atacados pelos EUA em todas as áreas.

Vamos lembrar da sabotagem na Base de Alcântara para atrasar nosso desenvolvimento tecnológico, do roubo do notebook da Petrobras com informações sigilosas sobre o pré-sal e do golpe contra Dilma, cuja primeira consequência direta foi a entrega das reservas de petróleo do pré-sal às empresas estrangeiras. Sem falar nas digitais do FBI na Lava Jato, que resultaram em quatro anos do governo mais lacaio da nossa história.

Não! De jeito nenhum nossas relações históricas com os EUA devem ser restauradas. Elas precisam ser radicalmente modificadas, com a afirmação da nossa soberania. Nesse sentido, quanto menos negócios tivermos com um país que se acha no direito de sabotar economicamente outros, com finalidade de extorsão, melhor para nós.

A conversa com Trump não é para ser festejada. Eles inventaram tarifas, criaram uma crise, ameaçaram o Brasil e impuseram sanções absurdas a ministros do Supremo Tribunal Federal para exigir que mudassem seus votos no tribunal. E não acabou por aí. Continuam atacando nossa soberania. Na última vez em que Lula se encontrou com Trump, há uma semana, ele nos ameaçou da tribuna da ONU, ao afirmar que o Brasil vai mal e só irá bem se estiver alinhado a eles. Há dois dias, um secretário de Trump disse que o Brasil precisa ser consertado, porque está “estragado”. Por qualquer manual de diplomacia, o Brasil deveria receber um pedido de desculpas, o que sabemos que não vai ocorrer.

Graças à postura soberana do nosso governo, mostramos na prática que não dependemos de comércio com os EUA, que temos um mundo inteiro com quem negociar e que os BRICS saíram fortalecidos das palhaçadas do circo Trump.

É a partir desse novo patamar que devemos tratar as relações com os EUA daqui em diante e não nos ajoelharmos novamente perante quem nos quer eterna e comportada colônia. Restaurar, jamais!

Trump nos deu uma justificativa indiscutível para sairmos de uma relação comercial totalmente desfavorável ao Brasil, uma relação abusiva sob todos os aspectos, e trocá-la rapidamente por parcerias no Sul Global, numa afirmação de soberania e independência em relação ao império decadente estadunidense. O texto (que eu torci para que fosse fake) dá a impressão de que estamos ansiosos por nos submeter novamente ao tratamento de colônia, beijando a mão de Trump — atitude que sugere virar as costas aos parceiros do Sul Global, com os quais temos relações horizontais, de igual para igual. Não estou defendendo romper relações nem fechar a embaixada, mas não precisamos mais que nossos presidentes tomem um cafezinho juntos em um fórum internacional.

Por Caio  Teixeira, Jornalista independente,