A Memória e a Luta pelo Brasil: Legado do Trabalhismo Brasileiro
O ex-deputado Rubens Paiva entre sua mulher, Eunice (à esq.), a sua mãe e os cinco filhos - Reprodução/Memorial da Democracia

A Memória e a Luta pelo Brasil: Legado do Trabalhismo Brasileiro

O Brasil de 1970, retratado no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, revive o impacto sombrio da ditadura militar sobre uma família que, em sua tragédia pessoal, representa um país dividido e marcado pela repressão política. A história de Rubens Paiva, que desaparece nas mãos de militares, é um reflexo das violentas atrocidades do regime e um lembrete crucial de que a luta pela liberdade e pela justiça nunca deve ser esquecida.

Este filme resgata, com intensidade, a dor e a resistência de uma época onde as aspirações populares por um Brasil mais justo e soberano foram brutalmente interrompidas. Ao assistir a esta obra, somos transportados para um momento crucial da nossa história, onde o Brasil, em sua caminhada rumo à modernidade e ao desenvolvimento, se via refém de uma elite que não só negava a voz do povo, mas também se alinha com interesses estrangeiros, principalmente os dos Estados Unidos, que viam no Brasil um bastião de seu projeto de dominação na América Latina.

A relação entre o filme Ainda Estou Aqui e o Trabalhismo Brasileiro é profundamente significativa, pois o movimento trabalhista, liderado principalmente pelo PTB, foi a vanguarda das lutas sociais no Brasil. Esse movimento defendia um país que não fosse submisso aos grandes interesses internacionais, que fosse autossuficiente, soberano e voltado para as necessidades do seu povo. O projeto de nação de João Goulart, que buscava a justiça social por meio das reformas de base, refletia um compromisso inabalável com a classe trabalhadora e uma visão nacionalista que ameaçava os interesses das elites dominantes. Goulart, ao lado de outros militantes do PTB, como Rubens Paiva, que era deputado federal e teve seu mandato cassado pela ditadura militar, foi uma figura central na luta por um Brasil mais justo. Paiva, defensor fervoroso das causas trabalhistas e de uma sociedade mais igualitária, também foi vítima da repressão militar, sendo sequestrado e desaparecido em 1971. A ameaça representada por Goulart e Paiva, com suas propostas de subordinação dos grandes poderes econômicos em prol do povo e do desenvolvimento autônomo do Brasil, foi o estopim para o golpe militar de 1964, que visava silenciar qualquer possibilidade de mudança estrutural no país.

A ditadura militar, com o apoio das elites brasileiras e dos Estados Unidos, não era apenas uma resposta ao “comunismo” – como a propaganda da época insistia em chamar – mas sim uma reação feroz contra qualquer proposta de mudança que colocasse o Brasil no caminho da libertação nacional. Foi uma luta de classe disfarçada de luta ideológica. O filme Ainda Estou Aqui deixa claro o custo dessa repressão: não apenas a perda de vidas e a violência contra os dissidentes, mas a destruição de um projeto de país que, por pouco, não conseguiu romper com as amarras do atraso e da dependência econômica.

No entanto, mesmo após o golpe, o trabalhismo continuou a ser uma ameaça existencial.

Jango e Carlos Lacerda em encontro para discussão da Frente Ampla, com Renato Archer (à esq.)

Jango, Lacerda e JK articulavam a Frente Ampla, uma frente civil, juntando ex-adversários políticos, para tentar trazer de volta a democracia.

Juscelino foi morto e 22 de agosto de 1976. Oficialmente, a causa foi um acidente de carro na Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ).

A morte de João Goulart (Jango) foi em 6 de dezembro de 1976, na cidade de Mercedes, na Argentina, 4 meses após a morte de JK.

Cinco meses depois foi a morte de Lacerda, em 21 de maio de 1977, aos 63 anos. Oficialmente a causa de sua morte foi atribuída a um ataque cardíaco.

Apesar de nada ter sido provado sobre essas mortes há uma grande dúvida se essas lideranças foram vítimas da operação Condor.

Na verdade, a luta por um Brasil soberano e justo não terminou com o fim da ditadura militar. O Brasil de hoje, embora democraticamente constituído, ainda carrega as mesmas forças que, durante o regime militar, buscavam manter o país submisso a um modelo econômico de exploração e dominação. Desde a redemocratização, todos os governos, sem exceção, adotaram políticas liberais, perpetuando o neoliberalismo econômico. Mesmo partidos como o PT e o PSDB, que se posicionam como centro-esquerda, continuaram a seguir, em seus mandatos, as diretrizes do neoliberalismo, sem romper com a estrutura econômica que mantém o Brasil subdesenvolvido e dependente.

Nos anos 1990 e início dos anos 2000, tanto o PSDB quanto o PT, embora com algumas diferenças em suas agendas políticas, não conseguiram se desvencilhar dos valores que perpetuam a desigualdade social e a subordinação econômica do país. O PSDB, com sua agenda de privatizações e a abertura irrestrita da economia ao capital estrangeiro, e o PT, que, mesmo em seus mandatos, temeu desafiar os interesses da elite financeira, mantiveram, em suas práticas, a mesma mentalidade que durante a ditadura visava submeter o Brasil às grandes potências e aos interesses econômicos externos.

O chamado “liberalismo de esquerda” adotado por ambos os partidos revela-se uma falácia. A verdadeira questão não reside em ser de esquerda ou de direita, visto que estas tem perpetuando o mesmo modelo econômico, mas em ter coragem de confrontar as forças que, mais de 50 anos após o golpe militar, ainda dominam o Brasil: o grande capital, a mídia, e os interesses internacionais, que continuam a impedir o nosso país de ter um Projeto de Nação e ser realmente livre e independente.

É necessário, portanto, retomar o verdadeiro legado do trabalhismo brasileiro. O país precisa se libertar dessa mentalidade submissa que tem marcado a política brasileira. O Brasil deve retomar o projeto de nação de João Goulart, que visava a verdadeira emancipação nacional, uma autonomia econômica que não se subordina aos interesses de grandes corporações ou à lógica do capital financeiro internacional. Para isso, é preciso resgatar o debate do pré-64, a memória das lutas e do legado nacionalista, lembrar das vítimas da ditadura e da luta constante do povo brasileiro por justiça e liberdade. O filme Ainda Estou Aqui nos lembra disso de forma pungente: enquanto a opressão continuar, a luta pela libertação nunca pode ser esquecida. E, no contexto atual, isso exige coragem para enfrentar os que ainda tentam subordinar o Brasil ao neoliberalismo, seja da direita ou da esquerda.